Matéria de Camila Brandalise do De Universa afirma que o Brasil tem uma série de particularidades que o fazem amargar os piores lugares em rankings mundiais que avaliam a participação feminina na política. Em um dos estudos mais recentes, o Mulheres na Política 2020, divulgado pela ONU Mulheres em março, o país ocupa o penúltimo lugar entre as nações da América Latina no quesito representatividade feminina, englobando cargos executivos, legislativos e em ministérios. Só fica à frente de Belize e Haiti, em penúltimo e último lugar, respectivamente.
Atualmente, a representação feminina no Congresso brasileiro é de 15%. A proporção é ainda menor em outros cargos eletivo. Elas são apenas 13,5% entre os vereadores e 12% entre os prefeitos eleitos em 2016.A chamada Lei das Eleições, de 1997, que estabelece normas para os processos eleitorais e está em vigor até hoje, foi a primeira a trazer uma sugestão de cotas de candidaturas para mulheres. O texto falava em um mínimo de preenchimento de 30% e um máximo de 70% de candidatos para cada sexo dentro dos partidos nas eleições proporcionais.
Mas a palavra usada na legislação era “reservar”. Com isso, grande parte dos partidos argumentava que havia reservado vagas, mas não as tinha preenchido porque não encontraram candidatas para tanto. Foi só em 2009, com a minirreforma eleitoral, que a palavra “reservar” foi substituída por “preencher” e houve, de fato, uma obrigação para que a regra fosse cumprida. Ainda assim, nas eleições de 2010, o número de deputadas federais eleitas se manteve o mesmo em relação ao pleito de 2006, 45. Em 2014, esse número subiu para 51. Foi só em 2018, quando o STF (Superior Tribunal Federal) decidiu que o dinheiro dado às candidatas mulheres deveria seguir essa proporcionalidade, ou seja, deveria haver um repasse de no mínimo 30% da verba partidária para elas, que esse número teve um aumento um pouco mais significativo. Nas eleições de 2018, 77 mulheres foram eleitas para a Câmara de Deputados, um aumento de 50% em relação à eleição anterior, mostrando que dinheiro é essencial para que uma candidatura seja competitiva.
“Até hoje, porém, esse texto ainda está muito aberto a interpretações, que dão margem para os partidos fazerem malabarismos”, afirma Hannah. “No caso do repasse de 30%, ainda não está claro se pode ir só para uma só mulher. Os partidos podem se valer disso para investir só em candidatas mais competitivas, mas isso não aumentaria a participação como um todo.”
Um levantamento feito pela ONG Movimento Transparência Partidária, em 2018, mostrou que 80% das pessoas ocupando cargos de direção nos partidos, incluindo escritórios regionais e nacionais, são homens. Além disso, 75% dessas pessoas eram as mesmas há, pelo menos, dez anos.
Em contrapartida, dados do TSE mostram que 50% dos filiados a partidos são mulheres. A manutenção de uma estrutura liderada por uma maioria de homens e que já está há muito tempo no cargo dificulta que novos nomes sejam contemplados com apoio do partido, e não apenas durante as eleições. O grande problema é que essa baixa representatividade se reflete, na maioria das vezes, em falta de investimento.
Ainda que a legislação obrigue os partidos a investirem 30% nas campanhas femininas, como cada um pode decidir de que maneira fará a divisão da verba, muitas mulheres relatam não receber qualquer apoio da sigla. “Já ouvi várias dizendo que não são candidatas laranjas mas, na prática, são tratadas como se fossem: não têm dinheiro nem apoio”, diz a pesquisadora. Além disso, Hannah cita o descumprimento da regra que obriga o investimento de 5% do fundo partidário na formação de mulheres.
“Os partidos são responsáveis por fazer as escolhidas terem candidaturas viáveis, mas isso não acontece. Não se cumpre essa obrigatoriedade dos 5% e, quando o fazem, é só em ano eleitoral, ainda que a lei diga explicitamente que deve ser feito ao longo do processo.” Segundo Hannah, a fiscalização ocorre em cima da prestação de contas. “Mas é um processo moroso e, muitas vezes, mal feito. Sei de partidos que investiram muito menos do que isso”, afirma a pesquisadora.
Em 2019, mesmo após aplicação de sanções por parte do TSE a partidos que não cumpriram a norma em 2012 e 2013, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sancionou uma lei que alterava a legislação eleitoral concedendo anistia a todas as siglas que tenham infringindo a regra de 2018 para trás.
A obrigação contínua de cuidar da casa e da família, enquanto ao homem cabe ocupar o espaço público, é conhecida como divisão sexual do trabalho e se aplica, também, no caso da política. “Para a mulher, o casamento é um fator que atrapalha a entrada na vida pública, porque já há uma divisão pré-estabelecida: o homem político, no geral, é casado, mas há alguém cuidando da casa e dos filhos dele. O contrário não acontece”, explica Hannah.
“Nos Estados Unidos, por exemplo, elas podem utilizar dinheiro para contratar babás por exemplo. Isso é considerado um custo de campanha”, diz. “Permitir o uso do fundo público para gastos com supervisão das crianças fora do horário da creche e enquanto a mulher está em campanha seria muito importante.”
Desde perguntas aparentemente ingênuas, como “tem certeza que quer entrar para a política?”, a ataques em massa, com críticas à aparência e à sexualidade de uma mulher que se dedica à política, a violência política de gênero é um problema que deve ser resolvido com urgência, segundo Hannah, se o Brasil quiser subir de posição nos rankings de representatividade feminina.
“É um impacto de representação simbólica. As mulheres de fora, se não veem outras lá, entendem que não é o seu lugar. E, caso vejam, mas percebam que as políticas sofrem com a violência de gênero, desanimam”, opina Hannah. “A política institucional ainda é um ambiente inóspito para as mulheres, mesmo que algumas já façam parte dela.”
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