A intolerância religiosa vem originando cada vez mais ações por assédio moral na Justiça do Trabalho. Levantamento da Data Lawyer revelou que, entre setembro de 2019 e setembro de 2022, foram contabilizados 21.707 processos por esse tipo de conduta no no Brasil. E não faltam condenações nos tribunais. Na semana passada, o TRT da 2ª Região manteve sentença que condenou uma empresa a indenizar uma trabalhadora adepta de religião de matriz africana que foi impedida de usar colares religiosos no trabalho.
As decisões revelam que a intolerância religiosa, assim como a homofobia, racismo e outros tipos de preconceito, vêm recebendo respostas duras da Justiça. “A liberdade religiosa é um tema tão relevante que hoje existe uma ação civil pública, que foi parar no STF, pedindo a remoção de todos os crucifixos afixados nas salas dos tribunais. A ação busca a separação entre Judiciário e religião, uma vez que o Brasil é um estado laico”, comenta o advogado especialista em Compliance e autor do livro Comportamento Indevido no Trabalho, André Costa.
O assédio religioso se caracteriza pela intolerância pautada nas crenças religiosas da pessoa. “Normalmente se reveste de piadas e comentários vexatórios por parte dos colegas, além de proibições de manifestações religiosas, mesmo que singelas, que sejam contrárias a religião da maioria”, detalha o especialista.
O advogado, que é CEO da Shield Compliance e autor de livros sobre o tema, conta que no início do mês investigou um caso de assédio contra uma trabalhadora seguidora de uma religião de matriz africana que fazia parte de um grupo que rezava o Pai Nosso no início do expediente. “Em um determinado dia, ela resolveu proferir algumas palavras de proteção pautadas na sua crença e foi imediatamente rechaçada pelo gestor. Para piorar, passou a ser alvo de piadas por parte dos colegas após reportar o caso nos canais de denúncia da empresa”, comenta.
O advogado conta que o artigo 5 inciso VIII da Constituição Federal proíbe a privação de direitos e liberdades por convicções religiosas. “Existem ainda todo um conjunto de legislações que reforçam este entendimento, a própria lei 7.716, de 1989, prevê detenção de 2 a 5 anos para quem proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de trabalho”, acrescenta.
O especialista em Compliance comenta que o trabalhador vítima do assédio pode recorrer à Justiça do Trabalho para pleitear não só uma indenização por danos morais, mas também a rescisória indireta do contrato de trabalho. “Por esse mecanismo o funcionário aplica uma ‘justa causa’ na empresa e recebe todos os seus direitos, como se tivesse sido demitido pela companhia, e tudo isso sem prejuízo de pedir uma indenização pelo dano sofrido”.
As empresas precisam proporcionar um ambiente neutro em que os colaboradores adeptos de todas as crenças e religiões possam partilhar os ambientes organizacionais sem que nenhum conflito seja gerado. “Se a empresa permitir que um ou grupo de colaboradores coloque simbologias de religiões mais conhecidas, deve estar preparada para a chegada de simbologias de outras religiões, muitas das quais ainda lutam para se livrarem de um estigma negativo em nossa sociedade”, observa.
Segundo Costa, as empresas podem, e devem, inserir em seus códigos de ética e políticas, a proibição de manifestações expressivas diante de temas sensíveis, como política e religião. “Caso permitam pequenas manifestações, como pequenos adereços de mesa, devem deixar claro que todas as manifestações serão bem-vindas, sem distinção”, finaliza.
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